Laminite em Equinos


A laminite é a alteração mais importante do sistema músculo-esquelético dos equinos, sendo uma doença sem cura, que mesmo estabilizada pode apresentar recidivas, sendo a causa mais comum de claudicação bilateral. Ela consiste na inflamação das lâminas do casco, que são estruturas que possibilitam a ligação do osso da terceira falange à região córnea externa do dígito. 

Anatomia do casco dos cavalos





Para que se tenha uma idéia do que é laminite e de como ocorre sua evolução, é necessário o conhecimento da anatomia do casco, que é composto, como demonstrado na imagem acima, de uma camada externa, denominada parede do casco, uma camada interna constituída de tecido conjuntivo, que é o córion (dividido em córion laminar e perióplo na sua parte mais proximal) e a terceira falange, que está contida na parte mais interna, de onde saem todos os vasos sanguíneos que irrigam o tecido conjuntivo que constitui o córion, responsável por nutrir as células da membrana basal da epiderme responsável pelo crescimento do casco.



Nesta foto podemos observar que o osso da terceira falange é ligado à parede do casco por essa camada de tecido conjuntivo, que possui várias ondulações, denominadas lamelas dérmicas, que se estendem por toda a parede do casco, possibilitando a passagem de sangue com nutrientes para as células basais da epiderme, que serão responsáveis pelo crescimento do casco.

Na figura abaixo vemos que cada lamela possui uma estrutura específica, que possibilita de forma eficaz a passagem de nutrientes do sangue para as células ligadas à membrana basal, que promovem a formação da linha branca do extrato interno da epiderme, formando posteriormente as outras estruturas da parede do casco. É extremamente importante que essa estrutura anatômica seja mantida, e que o sangue passe de forma adequada, além de que a membrana basal esteja intacta, para que ocorra sustentação adequada de todo o peso do cavalo sobre os dígitos e irrigação própria de sangue a fim de que não ocorra morte celular, dor e inflamação. 




Histopatologia da Laminite

Os casos de Laminite possuem geralmente histopatologia similar, com destruição da membrana basal, onde as lamelas se tornam mais longas e finas, as células da epiderme se modificam morfologicamente e ocorre uma infiltração de leucócitos no tecido com anormalidade nas lamelas da derme

Como consequência da alteração estrutural então temos uma passagem inadequada de oxigênio e nutrientes às células basais, que morrem, resultando em uma separação da parede do casco da derme e da terceira falange. Isso possibilita a movimentação da terceira falange em direção à derme, devido ao peso do animal, resultando em dor, desconforto grande de locomoção e destruição de estruturas do casco. 

Na imagem abaixo vemos a zona de crescimento do casco em vermelho, onde as células basais se proliferam mais, na região do perióplo, na parte mais proximal do casco. Percebe-se então que lesões lamelares em qualquer outra parte do casco permanecerão com característica alterada até que o novo casco cresça até onde ela está localizada. 




Na foto abaixo, vemos a imagem radiográfica de um animal com laminite apresentando rotação da terceira falange. Evidencia-se a região distal da falange se direcionando à sola, realizando compressão do tecido conjuntivo adjacente. O animal como consequência sente muita dor e desconforto, recusando-se a ficar de pé, ou a apoiar o peso no membro lesionado. Este tipo de lesão é irreversível. 


Objetivo do tratamento

O principal objetivo do tratamento da laminite é minimizar ou impedir a movimentação óssea, favorecendo a cicatrização do tecido antes que ocorra maior lesão estrutural às lamelas do casco, prevenindo a compressão da derme e danos estruturais mais graves. Não se objetiva a cura da laminite, somente a estabilização do paciente, pois é uma doença que como mencionado anteriormente, não tem cura e pode apresentar recidivas.

Classificação 

Fase de desenvolvimento

Está relacionada ao início das alterações estruturais histológicas nas lamelas, ocorrendo entre a exposição até o aparecimento dos primeiros sinais clínicos, nas primeiras 24-60 horas após a exposição ao fator desencadeante da laminite. 4 principais fatores predisponentes se destacam no desenvolvimento destas alterações, são eles:

-Estado inflamatório sistêmico do animal, como sepse e endotoxemia

-Excesso de ingestão de carboidratos, principalmente provenientes de grãos, que favorecem o rompimento da membrana basal das lamelas 

-Endocrinopatias, principalmente relacionadas ao aumento da insulina sérica, que ocasiona lesão lamelar

-Trauma e excesso de carga nos membros, que pode ocorrer por exemplo quando um animal suporta mais peso em um só membro, pois o contralateral encontra-se lesionado, proporcionando uma compressão muito maior da derme, favorecendo a destruição lamelar e inflamação do local comprimido.

Exemplo de equino com laminite realizando passagem do peso para o membro contralateral:




A aplicação de corticosteróides como a dexametasona pode também favorecer o desenvolvimento de laminite, não associada à medicação em si, mas a síndromes metabólicas que podem ser ocasionadas da sua aplicação, especialmente em animais mais velhos ou com o uso inadequado e prolongado.

Fase aguda

Na fase aguda o animal já apresenta os primeiros sinais clínicos, com claudicação, apresentação de sinais de inflamação local com o pulso evidente no local, membro apresentando-se quente, e reflexo de dor por pinçamento do casco podendo estar presente também.

Desta fase a doença evolui para a fase crônica ou para a fase subaguda.

Fase subaguda

Animal apresenta melhora dos sinais clínicos e estabilização, não apresenta sinais radiográficos de alteração na terceira falange

Fase crônica

Ocorre um destacamento da derme à epiderme, terceira falange se separa da parede do casco e ocorre compressão da derme, por uma lesão mais intensa e sem tempo para reparação das lamelas do casco, seguida de um apoio do peso do animal sobre o tecido lesionado e compressão. 

A foto abaixo evidencia o casco de um cavalo com laminite crônica apresentando rotação da terceira falange:



O animal quando na fase crônica pode apresentar compensação ou não da lesão estrutural que sofreu. Quando o animal apresenta compensação, ele apresenta alterações radiográficas e de exame clínico que indicam alterações no casco para o resto de sua vida, como espessamento da linha branca e movimentação da terceira falange em direção à sola, mas com um espaçamento de 10mm da sola, no máximo.

Animais nessa situação precisam de acompanhamento veterinário e cuidados constantes com o casco, porém podem ser mantidos sem sentirem dor ou  desconforto que impossibilitem-os de manter sua qualidade de vida. 

Por outro lado, animais não compensados apresentam alterações muito graves na conformação do casco, com destruição grande das estruturas lamelares, ocasionando um crescimento prejudicado do casco, dificultando muito a adaptação do animal ao quadro a longo prazo, sendo o prognóstico desfavorável.


Princípios de Tratamento

Com a destruição lamelar, a gravidade força a terceira falange a se movimentar em direção ao solo, com a ajuda do tendão flexor digital profundo, que acaba erguendo a parte palmar/plantar da falange, facilitando a movimentação. A conformação do casco do cavalo, tendo regiões já lesionadas ou mais fracas antes do desenvolvimento da laminite é importante, pois influencia no tratamento e essas áreas mais fracas alteram o padrão das lesões na sola em casos de movimentação da terceira falange. 

A foto abaixo demonstra um esquema de como as forças operam para a formação das lesões e compressão de tecido conjuntivo nos casos de laminite.

Desenvolvendo um plano de tratamento

O tratamento não só de cada paciente mas de cada membro é diferente, variando de animal para animal e de membro para membro, então é necessário que se reexamine o paciente fazendo uma avaliação constante do animal para determinar o melhor tipo de tratamento para cada situação. 

Quanto mais cedo for feita a intervenção para o tratamento, melhor, pois o animal responderá mais cedo, melhorando seu prognóstico.

Crioterapia

A crioterapia através da imersão dos membros em gelo por 24-72h é o método mais indicado para prevenção do desenvolvimento do quadro de laminite após exposição ao fator pré disponente e início do aparecimento dos sinais clínicos na fase aguda. Na foto abaixo é demonstrado um método para imersão dos membros em água gelada, evitando a inflamação dos cascos e posterior destruição das estruturas lamelares. A literatura recomenda a manutenção da água numa temperatura abaixo de 5 graus Celsius a fim de potencializar o efeito protetivo.




Alteração do ângulo palmar

A alteração do ângulo palmar tem como objetivo reduzir a pressão do tendão flexor digital profundo sobre a terceira falange, evitando sua movimentação, dando tempo para que a lesão se cicatrize até que o peso do animal possa ser colocado sobre o membro não inclinado. A figura abaixo demonstra a forma correta de aplicação desta técnica (A) e as formas incorretas (B) e (C).



Referências Bibliográficas

1-ORSINI, James A.; DIVERS, Thomas J. Equine Emergencies: Treatment and Procedures. St. Louis: ELSEVIER, 2014.

2-POLLITT, Christopher C. Equine Laminitis: Current Concepts. Brisbane: RIRDC, 2008.

Comentários